terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

DAMÃO - TERRA PORTUGUESA


Estamos em Mumbai (Bombay) e, na lembrança, os agradáveis dias passados em Damão, uma cidade litorânea que pertenceu a Portugal até 1961. Para chegar lá, partindo de Agra, foi preciso enfrentar uma viagem de quase 20 horas de trem. Aliás, sair de Agra não é nada fácil. Embora a cidade seja grande, as linhas disponíveis levam a muitos poucos lugares. O melhor é encarar uma hora de trem até Mathura, por onde passam as grandes linhas. Depois, seguir até Surat (14 horas e meia) e, de lá, mais três horas de viagem até Vapi, localizada a apenas oito quilômetros do destino final. Basta pegar um táxi para terminar o percurso.
Damão, em português, ou Daman, em inglês, é uma ex-colônia portuguesa, da mesma forma que as cidades de Diu e Goa. Depois do frio enfrentado até Agra, o calor se mostra agora com toda a força. Em plena Índia, além dos idiomas oficiais inglês e hindi e de um universo imenso de outros dialetos, ouvir português soa bastante inesperado. É um português que dá um gostinho de casa, embora o sotaque seja mais próximo a Portugal. Nessas terras, os católicos são rapidamente reconhecidos, seja por falarem o português, seja pelas roupas ocidentais. Igrejas não faltam, mas, hoje, a maior parte das missas é rezada em inglês, por padres saídos de Bombay.
A cidade é calma e muito aconchegante, sem o assédio insuportável aos estrangeiros vivido nos lugares antes visitados. Pessoas gentis e hospitaleiras, prontas a te cumprimentar verdadeiramente numa simples volta pela rua. Pessoas especiais como a família Fernandes, legítimos portugueses/indianos – quem nasceu em Damão até 1961 é português. Três irmãos com muita história para contar. Victor, de 66 anos, mora em Londres há quase 10 anos, Maria Angélica, de 63, vive em Portugal há quase 40, e Teresa, de 60, foi a única a continuar na Índia, em Baroda, no estado de Gujarat. Com os três, conhecemos muitos aspectos da história damanense, da língua local, dos costumes e da alma indiana. Sem contar o privilégio de apreciar a culinária damanense, num maravilhoso almoço da casa de Victor, preparado por ele mesmo, com o maior bom gosto e refinamento.
Como Damão é uma zona franca, bebida é liberada a um custo irrisório, assim como vários outros produtos importados, entre eles cosméticos, chocolates e comidas finas. Resumindo, o que já é barato naturalmente na Índia, se torna uma pechincha!
Surpresa também em bons restaurantes. Alguém já experimentou sorvete frito? Algo sensacional! Uma bola com uma espécie de biscoito crocante envolvendo o sorvete de baunilha e calda de chocolate por cima…!!! Um espetáculo para os olhos e, claro, para o paladar. Não descobrimos como é feito, não há qualquer fissura nem gosto de fritura…
A praia, de areia negra, infelizmente, não é aconselhável. Esgotos no mar e um odor insuportável fazem qualquer um desistir de um banho de mar  - ratos circulam na areia no lugar de carangueijos. Mas isso não abala o aconchego da cidade, que nos apresentou outros espetáculos, como um festival de música sufista e uma festa típica religiosa, na qual imagens de entidades são lançadas ao mar, depois de muita música em dança que duram três dias - bem parecido com as homenagens a Iemanjá.  
E, para completar as semelhanças com o Brasil, um pouquinho de Minas Gerais, rapidamente detectadas pelas lentes de Alain Dhomé. Os barcos ancorados no porto exibem nas proas belas carrancas, bem ao estilo das navegações que correm o Velho Chico. 
Junia     Oliveira

domingo, 6 de fevereiro de 2011

UMA LÁGRIMA NO ROSTO DA ETERNIDADE


Agra - 06/02/11

O poeta indiano estava certo quando descreveu o Taj Mahal como “uma lágrima no rosto da eternidade”. O monumento, uma das sete maravilhas do mundo, é, simplesmente, magnífico (impossível não ser redundante). Não há palavras suficientes para descrevê-lo. Aliás, de frente para ele as palavras desaparecem e a garganta engasga. Ver o sol nascer e, devagar, envolver a suntuosa construção é mais que um privilégio. É tão especial que, ao ver as fotos, a impressão é de se estar vendo algo de mentira ou, talvez, um quadro pintado detalhada e delicadamente…
Os melhores momentos para apreciar o espetáculo são o nascer ou o pôr do sol. A luz muito forte do restante do dia reflete no mármore branco e atrapalha a visão (o que não tira, claro, a beleza do lugar). Vale a pena acordar bem cedo e se postar por volta das 6h30 em frente aos portões. A fila de turistas é grande nesse horário – o tempo de entrada foi de 45 minutos –, mas, com certeza, bem menor que no período da tarde. São duas filas: uma para comprar os ingressos e outra para entrar. Além de esperar os portões se abrirem, é preciso paciência para passar pelo lento processo de detectores de metal, revista e conferência de bolsas.
Enquanto os estrangeiros pagam 750 rúpias (12,3 euros ou R$ 28), os indianos pagam 25 rúpias (0,40 centavos de euros ou R$ 0,93) e ainda têm uma fila exclusiva, infinitamente menor e mais rápida. Mas, para entrar, todo mundo fica no mesmo barco – mulheres têm fila exclusiva.
Vale a pena depois ir diretamente ao Forte de Agra, que também foi um palácio, distante apenas dois quilômetros do Taj. Para estrangeiros, a entrada custa 300 rúpias (4,9 euros ou R$ 11), mas há um desconto de 50 rúpias se a visita ao Taj ocorrer no mesmo dia. Do forte, alias, há uma vista belíssima do mausoléu. 

VRINDAVAN


04/02/11 - Krishna nasceu em Mathura, mas foi na cidade vizinha de Vrindavan, distante apenas 15 quilômetros, que ele passou a maior parte do tempo. Com uma população de 52 mil habitantes, também é uma cidade sagrada, com seus 5,5 mil templos, dos menores e mais simples aos mais suntuosos. A peregrinação de indianos de toda a parte do país é constante. O lugar também peca pela limpeza e porcos selvagens dividem as sobras com macacos e vacas. Porcos que vêm da floresta, de acordo com os moradores, uma vez que os hindus não comem carne de espécie alguma.
Vindravan é ainda a terra das viúvas. Depois de perder o marido, se agarraram à religião como forma de renúncia e, o mais básico, ter o que comer. Diante das dificuldades com a língua hindu (o idioma da maioria delas), encontramos um jovem de 19 anos, que gentilmente fez papel de tradutor. Ravi Pandey é a cara da nova Índia, aquela povoada pelo celular e o computador e por meio dos quais as pessoas descobriram que o mundo é bem maior. Aquela na qual as pessoas querem ter qualidade de vida, ser felizes, dar dignidade às suas famílias. Uma Índia na qual as pessoas descobriram que Deus não pediu a ninguém uma vida de privações e que as tradições podem, perfeitamente, dialogar com o conforto e uma nova era.

DO DIA:
Três idas a Vindravan e bastante aventura. Nós também nos empoleiramos nos autorickshaws, conhecidos como “Tempos”, apertados na frente ou, o mais engraçado, segurando firme na traseira para não cair. Onde cabem sete bem acomodados, entram 15 (sentados) e mais uns dois pendurados nas laterais. 

sábado, 5 de fevereiro de 2011

MATHURA


Mathura: cidade sagrada, a 140 quilômetros de Delhi, população de 320 mil pessoas, berço de Krishna. Reduto de hindus, é banhada pelo Rio Yamuna. Se em Delhi a quantidade de templos impressiona, por aqui, precisa nem dizer. Ornamentados com flores, estátuas, velas e muitas cores, podem estar num grandioso edifício, num cubículo ou até mesmo numa árvore.
Nas ruas e às margens do rio, homens, mulheres e crianças convivem e se misturam com cães, macacos, bois, porcos (que vêm da floresta, de acordo com os moradores, uma vez que os hindus não comem carne de espécie alguma) e vacas (o animal sagrado da Índia). Já passaram por aqui também camelos e elefantes. Com os macacos é melhor ter cuidado, pois eles são bem agressivos. Já as vacas andam tranquilas, comendo toda o tipo de coisas e com acesso livre a casas e lojas.
A paisagem tinha tudo para ser maravilhosa, não fosse o abandono de muitas construções – algumas delas, milenares -, o lixo espalhado por todas as partes e o esgoto correndo a céu aberto em canais de cimento construídos nas laterais de cada rua (ou no meio delas). O esgoto vai direto para o rio, que recebe, diariamente, além de flores, lixo de todo tipo. O que já não tem um odor nada agradável fica ainda pior com o cheiro de urina – seja na capital ou no interior, o banheiro predileto dos homens são as ruas (com ou sem muro e sem qualquer preocupação de se esconder). É um hábito, mesmo onde há banheiro público.
Mesmo assim, há cenas belíssimas, como a cerimônia das mulheres em homenagem a Yamuna, a primeira mulher do deus Krishna, que dá nome ao curso d’água.. Numa linda manhã ensolarada, dezenas delas acompanham um culto nas escadarias às margens do Rio Yamuna., todas descalças. Depois das palavras do brahman (o “padre” da religião hindu), elas ocupam oito barcos, que seguem cerca de 500 metros, até a outra margem do rio, cada uma com a missão de segurar o sari gigante e de estampas diversas que é desenrolado agilmente por homens que ficaram em terra firme.
Num semicírculo, elas deixam o pano cair na água, simbolizando um presente que é dado a Yamuna. Um nono barco é ocupado apenas  por homens, que resgatam o sari do rio. Na volta, a cerimônia continua com mais cantos, tambores, velas e flores.
Questionado sobre a periodicidade do culto, um jovem responde: “Todos os dias se elas quiserem. É só pagar ao brahman”. O preço por cabeça é de 1 mil rúpias (16,3 euros ou R$ 37), extremamente caros para os padrões indianos.

DO DIA:
Parece que éramos os únicos estrangeiros por aqui até o início da tarde, quando outro casal chegou. Bom para dividir o assédio dos nativos, que não se cansam de te acompanhar pela cidade inteira nem de oferecer barcos para fazer a travessia do Yamuna.
Esqueci de citar que na fauna de Mathura há também jacarés (ou algo muito parecido!). Numa volta à noite pela cidade, à base de lanterna (luz aqui vem e vai toda hora) quase pisei num filhote, que estava com uma família (de gente), na porta de casa. Que susto!
Precisamos chamar a polícia para um motorista de rickshaw. O esperto nos disse que cobraria 6 rúpias pela corrida (confirmamos o preço 3 vezes) e ao chegar ao local ele queria 600. Ainda teve a cara de pau de falar que oferecemos esse valor. Pagamos abaixo do preço de mercado: 20 para duas pessoas (normalmente, são 25 ou 30). Todo cuidado é pouco na negociação com o pessoal do ricksaw, seja de bicicleta ou motorizado, na chegada à cidade principalmente.
Muitos têm convênios com hotéis e, por isso, a missão de te convencer a se hospedar em determinado lugar. A nós, a 1h da manhã, garantiram que nosso hotel havia fechado. Mas, como tem sempre gente disposta a trabalhar honestamente, apareceu um homem para nos levar e pedalar 5 quilômetros. Uma das malas teve de ir na cobertura da bicicleta. Por várias vezes, notamos que ele não dava mais conta do peso. Tanto esforço rendeu a ele uma boa gorjeta e, a mim, um sorriso e um aperto de mãos dele, em sinal de agradecimento, que serão inesquecíveis. 

LÁ VEM O TREM


Depois de um atraso de sete horas por causa de um acidente na via férrea, finalmente, o trem de Nova Delhi a Jabalhpur segue viagem. No primeiro Vagões novos, com ventilador no teto, suporte para a garrafa de água mineral (até mesmo os indianos da grande cidade bebem essa água) e o assento que se converte em cama. São três de cada lado, sobrepostas, e duas no corredor.
Assim que o agente da companhia ferroviária confere os bilhetes, os indianos rapidamente sobem para as camas do “terceiro andar”, abrem as do meio, se acomodam na primeira, apagam as luzes e curtem uma boa noite de sono, merecida depois de uma longa espera.
O trem segue para Jabalhpur com paradas em Mathura, uma das sete cidades sagradas do país e onde nasceu Krishna, e Agra, onde está o Taj Mahal. Na estação de Mathura, há centenas de pessoas deitadas nas plataformas e no hall de entrada. Todas enroladas em panos e bem juntas, para driblar a gelada noite de inverno.

DO DIA:
Durante a espera, fomos salvos pelos indianos que aguardavam o mesmo trem e nos deram o alerta. O homem aparentemente gentil que ofereceu uma garrafa de brandi (claro, recusada), foi chegando, chegando, chegando perto, tirou uma soneca deitado no chão, e cada vez mais perto das malas, querendo dar o bote. Ainda bem que Alain Dhomé já estava devidamente a postos para por para correr! 

TOMAR UMA GERAL


Todo o cuidado é pouco para as as autoridades de um país tão populoso (mais de 1,2 bilhão de habitantes) e situado numa região extremamente delicada em termos de conflitos étnicos e religiosos. Cuidado que, na verdade, se aproxima de uma paranoia generalizada. Em Nova Delhi, concentração de pessoas é sinônimo de segurança máxima e, por conseguinte, Forças Armadas.
Seja para entrar na estação do metrô, do trem, no parque (Central Park) ou no mercado subterrâneo Palika Bazaar, é preciso passar antes pelo detector de metais, por revista policial e pôr todas as bolsas, malas e outros objetos na esteira de raios-x. Tudo isso sob o olhar atento de um guarda, devidamente instalado numa espécie de barricada e com o fuzil bem a postos. Fotos nem pensar!
Junia     Oliveira

LOCO MOVENDO-SE…


Meios de transporte para tudo e para todos. Esse é o espírito que impera quando o assunto são as maneiras de se locomover em Nova Delhi, com o adendo de o preço caber perfeitamente no bolso. Andar a pé é sempre uma ótima opção em qualquer parte do mundo e, talvez, a melhor forma de explorar aqueles cantinhos mais inusitados. Para distâncias mais longas, no entanto, o melhor é se integrar às possibilidades de cada cidade.
Por aqui, os rickshaws são as principais vedetes. Uma espécie de carroça apoiada a uma bicicleta ou pequenos carros de forma oval custam muito pouco e transportam muito de tudo. O primeiro leva pessoas, leva malas (e seus respectivos donos) e até móveis. São conduzidos por homens tão franzinos e a impressão que se tem é que não darão conta de chegar ao destino final. É muito comum ver uma carga até cinco vezes maior que o peso de quem está no guidom. O preço mínimo é de 10 ruppies, para um deslocamente de aproximadamente 10 minutos. Pela cotação atual, 1 Euro (R$ 2,28) é igual a 61 ruppies. Logo, o rickshaw mais simples custa  0,16 centavos de euro, ou R$ 0,40.
O tipo motorizado tem espaço para, no máximo, três pessoas magras, mas comporta facilmente seis ou mais passageiros, inclusive os de peso mais elevado. É interessante quando ele para e todos começam a se descolar para descer! Uma corrida custa cerca de 50 ruppies.
O metrô entrou mesmo em cena na vida de quem vive em Nova Delhi ano passado e custa apenas 8 ruppies. O ticket é uma moeda de plástico, que você passa no local indicado na catraca para liberar a entrada. A ideia de ter em mãos um suvenir é demovida logo na saída, pois é necessário depositá-lo em outra catraca para deixar a estação. 
Ônibus também são comuns, para deslocamentos maiores. E, para ir de uma cidade a outra e atender mais de 1,2 bilhão de pessoas na Índia, o mais usado é mesmo o trem, que também custa quase nada. Para uma viagem de duas horas e meia, por exemplo, até Mathura, uma das sete cidades sagradas do país e onde nasceu Krishna, a classe sleeper, na qual os assentos se transformam em cama, o preço é de 140 ruppies por pessoa (2,3 euros). Incrível, não?

INFORME


O blog (texto e fotos) será atualizado de acordo com a disponibilidade de internet. Nem todas as cidades do interior têm lan house, muito menos wi-fi (nem os hotéis).