Estamos em Mumbai (Bombay) e, na lembrança, os agradáveis dias passados em Damão, uma cidade litorânea que pertenceu a Portugal até 1961. Para chegar lá, partindo de Agra, foi preciso enfrentar uma viagem de quase 20 horas de trem. Aliás, sair de Agra não é nada fácil. Embora a cidade seja grande, as linhas disponíveis levam a muitos poucos lugares. O melhor é encarar uma hora de trem até Mathura, por onde passam as grandes linhas. Depois, seguir até Surat (14 horas e meia) e, de lá, mais três horas de viagem até Vapi, localizada a apenas oito quilômetros do destino final. Basta pegar um táxi para terminar o percurso.
Damão, em português, ou Daman, em inglês, é uma ex-colônia portuguesa, da mesma forma que as cidades de Diu e Goa. Depois do frio enfrentado até Agra, o calor se mostra agora com toda a força. Em plena Índia, além dos idiomas oficiais inglês e hindi e de um universo imenso de outros dialetos, ouvir português soa bastante inesperado. É um português que dá um gostinho de casa, embora o sotaque seja mais próximo a Portugal. Nessas terras, os católicos são rapidamente reconhecidos, seja por falarem o português, seja pelas roupas ocidentais. Igrejas não faltam, mas, hoje, a maior parte das missas é rezada em inglês, por padres saídos de Bombay.
A cidade é calma e muito aconchegante, sem o assédio insuportável aos estrangeiros vivido nos lugares antes visitados. Pessoas gentis e hospitaleiras, prontas a te cumprimentar verdadeiramente numa simples volta pela rua. Pessoas especiais como a família Fernandes, legítimos portugueses/indianos – quem nasceu em Damão até 1961 é português. Três irmãos com muita história para contar. Victor, de 66 anos, mora em Londres há quase 10 anos, Maria Angélica, de 63, vive em Portugal há quase 40, e Teresa, de 60, foi a única a continuar na Índia, em Baroda, no estado de Gujarat. Com os três, conhecemos muitos aspectos da história damanense, da língua local, dos costumes e da alma indiana. Sem contar o privilégio de apreciar a culinária damanense, num maravilhoso almoço da casa de Victor, preparado por ele mesmo, com o maior bom gosto e refinamento.
Como Damão é uma zona franca, bebida é liberada a um custo irrisório, assim como vários outros produtos importados, entre eles cosméticos, chocolates e comidas finas. Resumindo, o que já é barato naturalmente na Índia, se torna uma pechincha!
Surpresa também em bons restaurantes. Alguém já experimentou sorvete frito? Algo sensacional! Uma bola com uma espécie de biscoito crocante envolvendo o sorvete de baunilha e calda de chocolate por cima…!!! Um espetáculo para os olhos e, claro, para o paladar. Não descobrimos como é feito, não há qualquer fissura nem gosto de fritura…
A praia, de areia negra, infelizmente, não é aconselhável. Esgotos no mar e um odor insuportável fazem qualquer um desistir de um banho de mar - ratos circulam na areia no lugar de carangueijos. Mas isso não abala o aconchego da cidade, que nos apresentou outros espetáculos, como um festival de música sufista e uma festa típica religiosa, na qual imagens de entidades são lançadas ao mar, depois de muita música em dança que duram três dias - bem parecido com as homenagens a Iemanjá.
E, para completar as semelhanças com o Brasil, um pouquinho de Minas Gerais, rapidamente detectadas pelas lentes de Alain Dhomé. Os barcos ancorados no porto exibem nas proas belas carrancas, bem ao estilo das navegações que correm o Velho Chico.
Junia Oliveira