Quando se chega à Caxemira logo se entende porque a Índia, o Paquistão e, por vezes, a China, vivem se degladiando por causa dessa região. A beleza é algo impressionante. Verde por todo lado, água em abundância e clima fresco, bem diferente do calor insuportável do restante do país. E, para completar a cena, os Himalaias, que em plena primavera podem ser vistos ainda bem branquinhos de neve à longa distância, fazendo os olhos se perderem no horizonte. Parques e jardins, lotados de flores e bem cuidados, completam as riquezas desse pedacinho da Ásia. E as rosas… ah! Magníficas!
Mas, o problema da Caxemira é, definitivamente, os habitantes de lá. A fama deles roda o mundo e não se deixa mentir. Há um ditado popular segundo o qual todos os dias saem na rua um trouxa e um esperto e o problema ocorre quando os dois se encontram. Pois é. Talvez esse dito popular não exista por aquelas bandas, mas se eles o conhecem, concordam plenamente. Nesse caso, os trouxas são os turistas (não somente os estrangeiros, mas até os indianos) e os espertos são eles.
O tempo todo, a regra é “passar a perna” em alguém. São capazes de dizer qualquer coisa só para vender. Aliás, para eles é inadmissível que alguém vá à Caxemira e não compre qualquer coisa. Não entendem que turismo é, sobretudo, conhecer e apreciar uma região. Se você é estrangeiro, então…Não é possível andar na rua por mais de um minuto sem que alguém ofereça algo. E são capazes de te seguir quarteirões e mais quarteirões sem desistir – muitas vezes, não sobra outra alternativa que não seja gritar e xingar, depois de um milhão de “No, thank you”. Mesmo o mais paciente perde a paciência com os “caxemiries”.
O passeio no Dal Lake, o lago mais famoso de Srinagar, a capital, é feito num barco chamado Shikara, cuja decoração se aproxima bastante do kitsch, como tudo na Índia. Mesmo no lago, em plena paz, dezenas de barcos se aproximam para oferecer produtos que vão de água mineral, comida e cigarros (de todos os tipos).
Comprar a pachemina, o produto mais famoso da região – xales ou echarpes feitos com a lã de uma ovelha muito rara e especial – é uma aventura. A verdadeira, de tão preciosa, nem fica nas lojas, mas não faltam vendedores querendo empurrar outro tipo como se fosse pachemina. A lã da Caxemira, de forma geral, é muito famosa no mundo todo e, por ser muito doce, sem realmente conhecer, é fácil cair no golpe.
Sinistros à parte, é hora de se aproximar das montanhas para ver os Himalaias de perto. A cidade mais próxima é Gulmarg, a apenas 60 quilômetros de Srinagar, mas a três horas de ônibus – sim, as distâncias são um problema e, mesmo quando ela é pequena, a viagem é longa. A primeira parada é a 15 quilômetros do vilarejo, para que o indianos possam alugar roupas de frio – eles terminam o percurso já com enormes casacos, botas de plástico, luvas, cachecol e toucas, mesmo se o frio é ainda inexistente. O único problema em alugar é a certeza de que as roupas saem de um corpo e entram diretamente em outro sem, jamais, serem lavadas. A cor e o aspecto falam por si… Por isso, o melhor, é gastar um pouco de dinheiro para comprar roupas novas em alguma loja de Srinagar, pois a região é realmente fria e não há aquecedores nem nos hotéis.
Gulmarg é muito linda, mas o melhor é olhar sempre para cima, na direção das montanhas, pois o chão é repleto de fezes de cavalo (o transporte oficial da cidade) que, misturadas à neve que se desconegela nessa época do ano, deixam um aspecto nada agradável. A cidade é simpática, mas as pessoas… Também só querem se aproveitar – para a população de Srinagar dizer isso, dá para imaginar. Depois de constatar esse problema, a estadia de cinco dias se resumiu a dois.
Os hotéis têm preços de Paris. A comida dos hotéis, única opção, é complicada e, por fim, para subir às montanhas no teleférico é preciso jogo de cintura. Na abertura dos guichês para a venda dos ingressos, às 10h, as filas se transformam em arenas de luta livre, sendo necessária a intervenção da polícia para conter a multidão. Sorte é quando você encontra um funcionário gentil que lhe traz o ticket sem cobrar propina e ainda te deixa dentro do teleférico, sem enfrentar nova fila.
Mas, até mesmo dentro da cabine, está lá de novo o esperto… e a trouxa. Depois de esquiar nos Himalaias, a descoberta de ter pago por duas horas de equipamento e guia duas vezes mais do que se paga pelo mesmo serviço por uma semana inteira, em plena alta estação, no inverno, não deixa ninguém contente. E o guia ainda aparece no hotel com outros três colegas em busca de mais dinheiro… É nessa hora que a presença masculina se impõe!
Mas as montanhas compensam tudo. É uma paisagem que deixa qualquer um boquiaberto, é algo matavilhosamente extraordinário. É como abrir os abraços, se entregar de corpo e alma e ganhar o mundo. Uma experiência inexplicável.